O Alentejo é a região nacional com mais peso na produção de carne de ruminantes.
De acordo com os dados publicados pelo GPP (2014), o efetivo bovino em 2012 era 576 000 animais, correspondente a 47% do efetivo de Portugal continental. Entre 1999 e 2009 o Alentejo foi a região nacional onde o efetivo bovino mais aumentou (42%), tendo também aumentado o número total de bovinos por exploração (81.6 em 1999; 138.4 animais em 2009 (INE, 2011). Os sistemas de produção predominantes na região têm como objetivo a produção de carne e 94 % das fêmeas adultas são vacas aleitantes. No caso dos ovinos, o efetivo em 2012 era de 1 080 000 animais, o que corresponde a 52 % do efetivo do território continental nacional (GPP, 2014). Cerca de 95 % do efetivo do Alentejo é vocacionado para a produção de carne e esta região é a que apresenta a maior dimensão do efetivo por exploração.
A produção de carne de bovino na região do Alentejo assenta principalmente na exploração das três raças autóctones, a Alentejana, a Mertolenga e a Preta, utilizadas em linha pura e/ou em cruzamentos com as principais raças exóticas especializadas na produção de carne, o Charolês e o Limousine. A alimentação das vacas é feita por pastoreio direto, havendo lugar suplementação com palhas e/ou fenos nos períodos secos do verão e/ou no outono/inverno. O desmame dos vitelos ocorre geralmente entre os 7 e os 11 meses e a fase de engorda decorre frequentemente em estabulação por períodos com duração variável, conforme o objetivo da produção.
No caso dos ovinos, a linha genética predominante é o Merino branco, explorado em linha pura ou em cruzamento com raças especializadas geralmente com vocação carne. A produção dos borregos concentra-se nos períodos do Natal e da Páscoa. Os pesos de abate são variáveis e geralmente não ultrapassam os 26 kg de peso vivo. O modo de produção dos borregos pode apresentar maior ou menor incorporação de alimentos forrageiros, sendo frequente o recurso a alimentos concentrados.
Nas fases da engorda e acabamento dos bovinos e dos ovinos no Alentejo a incorporação de alimentos concentrados nos sistemas é variável mas frequentemente é elevada. O principal componente dos alimentos concentrados para animais são cereais, de que Portugal apresenta um elevado deficit em termos de balança comercial. Segundo os dados do GPP (2014) referentes ao ano agrícola 2010/2011 Portugal apresentou um grau de autoaprovisionamento de cereais (excluindo o arroz) de 18.8 %, sendo que 59 % do consumo foi destinado à alimentação animal (INE 2012).
A composição da gordura dos produtos alimentares é um componente essencial na definição do seu valor nutricional para os humanos, exercendo efeitos como modulador do metabolismo, da fisiologia e da resposta imunitária, influenciando o risco de ocorrência de diferentes doenças, particularmente as do foro cardiovascular. No caso dos ruminantes, a composição da gordura depende em grande medida dos processos metabólicos da bioidrogenação que ocorrem no rúmen e que se traduzem na saturação dos lípidos insaturados ingeridos, com a consequente redução dos ácidos gordos polinsaturados. Os processos bioquímicos da bioidrogenação dos lípidos resultam também na produção de um grande número de ácidos gordos na forma trans, cuja expressividade nos produtos animais depende de diversos fatores.
A gordura dos produtos dos ruminantes tem sido frequentemente considerada pouco saudável, comparativamente à de outros obtidos de outras espécies pecuárias. Contudo, nas últimas décadas a evolução do conhecimento sobre os efeitos da alimentação e dos nutrientes na saúde humana evoluiu e foi demonstrado que o efeito da gordura no metabolismo depende da sua composição específica, uma vez que os efeitos podem ser diferentes dentro da mesma classe de ácidos gordos e também entre os diferentes isómeros. Atualmente reconhece-se que a carne de ruminantes pode ser um componente importante na dieta das populações como fonte de ácidos gordos polinsaturados, nomeadamente da série n-3, ou de outros ácidos gordos bioativos, como os ácidos transvacénico (C18:1t11) ou ruménico (C18:2 c9,t11).
A suplementação das dietas para ruminantes com lípidos ricos em ácidos gordos polinsaturados tem-se revelado como uma técnica com elevado potencial para promover o valor nutricional dos seus produtos (carne e leite), através do aumento dos ácidos gordos que foram referidos. Esta abordagem que envolve a manipulação do ecossistema ruminal, que é extremamente complexo e influenciado por um grande número de fatores que estão interrelacionados. O tipo de dieta base influencia de forma marcada a resposta dos animais à suplementação lipídica. Aumentos importantes dos intermediários da bioidrogenação desejáveis (os ácidos C18:1t11 e C18:2c9,t11) só são alcançáveis com dietas com elevada inclusão de alimentos forrageiros. Quando são utilizadas dietas com elevada concentração energética e alto teor em amido, este objetivo fica comprometido, sendo favorecida a síntese e a deposição preferencial de um outro isómero octadecenoico, o C18:1t10, sem resposta na proporção do C18:2c9,t11 (Bessa et al., 2015). Se o ácido vacénico é considerado como “saudável” por ser o percursor metabólico do ácido ruménico nos tecidos animais, o isómero C18:1t10 pode ter um efeito inverso sobre a saúde humana (Bauchart et al., 2007;Wang et al., 2012). Fatores como o pH do líquido ruminal (Choi et al., 2005) ou a elevada concentração de amido (Maia et al., 2009) podem modificar o metabolismo ruminal e a composição da flora microbiana e contribuir para as modificações nos padrões da bioidrogenação. Mapiye et al. (2012) referem ainda que a degradabilidade ruminal do amido presente nas dietas pode ser também um fator importante na resposta metabólica aos estímulos nutricionais. Contudo, o efeito da manipulação da dieta no padrão da bioidrogenação apresenta grande variação individual (Rosa et al., 2014) e estão longe de serem conhecidos os mecanismos que a determinam.
Encontrar estratégias nutricionais que compatibilizem a promoção do valor nutricional da gordura nos produtos dos ruminantes com os sistemas intensivos de produção de carne poderá ser uma via interessante para a promoção e valorização da carne de bovino e ovino produzido na região do Alentejo. Isso poderá ser conseguido através da promoção da incorporação de pastagens verdes na dieta dos animais ou modificando a composição dos alimentos compostos utilizados nas fases de crescimento e acabamento dos vitelos/novilhos e borregos. Com este último objetivo pretendemos testar as hipóteses de que a substituição total ou parcial dos cereais nos alimentos concentrados por outra fonte energética com baixo teor em amido e alto teor em fibra de alta digestibilidade ou a redução da degradabilidade do amido da dieta, permitam aliar as boas performances de crescimento com a valorização da composição da gordura por suplementação da dieta com uma fonte de lípidos polinsaturados.
O tratamento dos grãos de cereais com uma solução de ácido tânico reduz a degradabilidade ruminal do amido (Makkar, 2003). Os taninos são polifenóis solúveis na água associados com o metabolismo secundário das plantas, com grande diversidade no peso molecular e no grau de complexidade das moléculas. Estes compostos são geralmente considerados como antinutritivos quando presentes em elevadas quantidades nos alimentos por se complexarem com numerosos tipos de moléculas nomeadamente: polissacáridos, aminoácidos, minerais e principalmente com as proteínas, condicionando a sua utilização digestiva (Makkar, 2003). Martinez et al. (2005) verificaram que o ácido tânico em combinação com o amido determina uma menor degradabilidade no rumen com efeitos aditivos até uma concentração de 5%.
A polpa de citrinos é um subproduto da indústria mundial de sumos, que tem particular expressão nos países de clima mediterrânico. Em Portugal a produção de citrinos tem particular expressão no Algarve e na região de Setúbal. A polpa de citrinos pode ser utilizada na alimentação de ruminantes. Apresenta um elevado teor em pectinas o que confere à fibra uma elevada digestibilidade (Ewing, 1997). É também uma fonte importante de compostos bioativos, como os polifenóis (Balasundram et al., 2006). Na origem, a polpa de citrinos apresenta um elevado teor em água, o que dificulta a conservação e transporte, mas a desidratação e peletização resultam numa matéria-prima com características que permitem a inclusão nos processos de fabrico das indústrias de produção de alimentos compostos para animais. Existem muitas referências na bibliografia que atestam os bons resultados da substituição dos cereais por polpa de citrinos da dieta de bovinos ou ovinos em crescimento (Prado et al., 2000; Scerra et al., 2001; Henrique et al. 2004; Caparra et al., 2007; Ahooei et al., 2011). Contudo, estes estudos não referem os efeitos da polpa de citrinos na bioidrogenação ruminal ou na composição detalhada do perfil de ácidos gordos dos tecidos ou dos produtos animais. Num trabalho recente da nossa equipa (Santos-Silva et al., 2015) obtivemos resultados muito encorajadores sobre a utilização de polpa de laranja na substituição dos cereais na dieta de ovelhas leiteiras suplementadas com óleo de soja. A inclusão da polpa de laranja no concentrado resultou num aumento da produção de leite, não afetou a composição química do leite mas aumentou as seletivamente proporções dos ácidos vacénico e ruménico em 265 e 246% respetivamente, sem efeitos importantes nos outros intermediários da bioidrogenação.