A madeira

A importância da madeira em Enologia

A vasilha de madeira, tal como hoje é conhecida, foi possivelmente inventada pelos Romanos para o transporte de vinho no norte do império, onde a madeira constituía um recurso natural mais importante do que a argila (Twede, 2005). No tempo das cruzadas, tornou-se um recipiente comum na Europa devido sobretudo à sua resistência mecânica, facilidade de manuseamento e de transporte, versatilidade da forma, e ao facto de ser obtida a partir de uma matéria-prima abundante e de baixo custo (Twede, 2005). A partir da segunda metade do século XX, o reconhecimento de que a vasilha de madeira desempenhava um papel crucial na conservação/envelhecimento do vinho tinto e da aguardente vínica, influenciando positivamente a qualidade dos mesmos, terá sido decisivo para a importância que adquiriu (Singleton, 1974).

Para além da madeira de carvalho, a madeira de diversas espécies florestais, como o pinheiro bravo, o eucalipto, o mogno e a acácia constituíam a matéria-prima deste tipo de vasilhas (Parodi, 2000). A madeira de castanheiro teve grande relevância nos países da bacia mediterrânica, por razões históricas, económicas e sociais associadas ao seu cultivo (Bounous, 2005), sendo também utilizada em vasilhas remetidas para a expedição de vinhos europeus (Taransaud, 1976). Diversas razões levaram ao progressivo abandono de todas elas, com exceção da madeira de carvalho.

 

 Espécies florestais atualmente utilizadas e a sua influência no envelhecimento

Atualmente as madeiras utilizadas em tanoaria para a produção de vasilhas destinadas ao envelhecimento de aguardente são de carvalho e de castanheiro. O castanheiro pertence à espécie Castanea sativa Mill (castanheiro europeu) e os carvalhos pertencem às espécies:

 

 

  • Quercus robur, Quercus pyrenaica Willd., Quercus faginea Lam., Quercus sessiliflora Salisb. (cultivadas na Europa);
  • Quercus bicolor , Quercus stellata Wangenh., Quercus lyrata Walt., Quercus alba L. (originárias da América do Norte).

 

 image001

 

De entre elas, a espécie Quercus robur, da região francesa de Limousin, é tradicionalmente empregue, particularmente em Cognac e em Armagnac.

Estas madeiras são igualmente usadas na produção de fragmentos (aduelas, cubos, aparas, serradura, entre outros) destinados ao envelhecimento por tecnologias alternativas.

A nossa equipa realizou, nos últimos 20 anos, um estudo inovador e aprofundado sobre as características físico-químicas e sensoriais conferidas à aguardente vínica pelas vasilhas de carvalho e de castanheiro, com o suporte de diversos projetos de investigação (ler mais em “Investigação”).

Os resultados obtidos, em diferentes condições de envelhecimento (nível de queima da vasilha; dimensão da vasilha; tempo de envelhecimento), evidenciaram uma notável consistência, permitindo concluir que:

  • A madeira de castanheiro apresenta excelente aptidão para o envelhecimento de aguardente vínica, na medida em que proporciona a obtenção de produtos de elevada qualidade e diferenciados, bem como um processo mais célere e menos oneroso (em consequência também do menor preço da vasilha e da possibilidade de maior número de reutilizações);
  • A madeira de carvalho-negral (Quercus pyrenaica) cultivado em Portugal é igualmente apta, embora o seu efeito seja mais atenuado e o custo da vasilha mais elevado;
  • A madeira de carvalho francês Limousin propicia resultados interessantes, embora associados a um processo de envelhecimento mais lento e mais dispendioso;
  • As madeiras de carvalho americano (Quercus bicolor/Quercus stellata/Quercus lyrata/Quercus alba) e de carvalho francês da região de Allier (Quercus sessiliflora) revelam-se pouco adequadas para este fim, ao contrário do que acontece com o envelhecimento de vinhos, por marcarem pouco a aguardente (enriquecimento diminuto em compostos da madeira, que se traduz em fraca evolução da cor e das demais características sensoriais).

 image003

 

 

 image005

 O processo de fabrico da vasilha e a sua influência no envelhecimento

 

De entre as operações que compõem o processo de produção da vasilha, em tanoaria, importa evidenciar a secagem/maturação e o tratamento térmico, pelas repercussões que têm na composição química da madeira e, por conseguinte, na qualidade da vasilha e no resultado do envelhecimento.

A investigação tem demonstrado que a secagem natural (em parques próprios ao ar livre), em oposição à secagem forçada (em secadores), proporciona a perda de água e de taninos pela madeira e ainda a sua colonização em profundidade por microrganismos (nomeadamente fungos e bactérias).

 

Com efeito, os diversos fenómenos físico-químicos que têm lugar nesta etapa, a par da ação dos microrganismos, são responsáveis pela maturação da madeira, que se reflete na aquisição de características favoráveis para o envelhecimento, designadamente a acumulação de compostos passíveis de serem extraídos pela aguardente vínica. Para alcançar tal resultado é necessário um período médio de secagem/maturação de 36 meses para a madeira de carvalho e de 18 meses para a madeira de castanheiro (Chatonnet, 1995; Canas et al., 2006).  image007

 

 image009  

O tratamento térmico decorre, tradicionalmente, na Europa, sob o efeito do fogo direto no interior da vasilha, combinado com humedecimento interior e exterior. Numa primeira fase, designada por vergadura, sob ação de temperatura moderada, é promovida a alteração da plasticidade das fibras da madeira, tornando-as moldáveis e facilitando a vergadura das aduelas, de modo a conferir a forma côncava à vasilha. Seguidamente, na fase de queima, a vasilha é sujeita a temperaturas mais elevadas para que ocorra a queima da superfície interna das aduelas, com o intuito de provocar alterações significativas na composição química e na estrutura da madeira, aspetos que favorecem sobremaneira o envelhecimento. 

O nível de queima é definido em função da intensidade do tratamento (temperatura e tempo), sendo-lhe atribuída a designação “ligeira”, “média” e “forte”; níveis intermédios, como a queima “média mais”, são também possíveis. 

Os estudos efetuados têm revelado que a queima forte, e secundariamente a queima média, induz maior enriquecimento da aguardente vínica em compostos da madeira e, por consequência, maior evolução da cor e das outras características sensoriais para igual tempo de envelhecimento (Caldeira et al., 2006; Canas, 2017).

 

image011

 

Fotografias: Tanoaria J.M. Gonçalves (Palaçoulo, Miranda do Douro)


 

 

Caldeira I., Mateus A.M., Belchior A.P., 2006. Flavour and odour profile modifications during the first five years of Lourinhã brandy maturation on different wooden barrels. Analytica Chimica Acta, 563, 264–273.

Canas S., 2017. Phenolic composition and related properties of aged wine spirits: Influence of barrel characteristics. A review. Beverages, 3, 55-76.

Canas S., Caldeira I., Mateus A.M., Belchior A.P., Clímaco M.C., Bruno de Sousa R., 2006. Effect of natural seasoning on the chemical composition of chestnut wood used for barrel making. Ciência e Técnica Vitivinícola, 21, 1-16.

Chatonnet P., 1995. Influence des procédés de tonnellerie et des conditions d’élevage sur la composition et la qualité des vins élevés en fûts de chêne. 268 pp. Thèse doctorat de l’Université de Bordeaux II. Institut d’œnologie.

Bounous G., 2005. The chestnut: a multipurpose resource for the new millennium. ISHS Acta Horticulturae, 693, 33-138.

Parodi G., 2000. A proposito di barriques, Vignevini, 3, 77-83.

Singleton V.L., 1974. Some aspects of wooden container as a factor in wine maturation. Chemistry of wine making, 311 p, ACS Pub. Co, New York.

Taransaud J., 1976. Le livre de la tonnellerie, 237p, La roue à livres diffusion, Paris.

Twede D., 2005. The cask age: the technology and history of wooden barrels. Packaging Technology and Science, 18, 253-264.

 

 

 

Lider

 

Logo INIAV

 

Parceiros

 

Imagem1 espaçoImagem2Imagem3 Imagem4
Imagem5  Imagem6  

 

Com a colaboração de

vivelys logo