A doença do míldio na rúcula
O míldio na rúcula, causado pelo oomiceta Hyaloperonospora sp., é uma doença epidémica que constitui um problema sério para os produtores desta brássica. São referidas perdas elevadas de rúcula selvagem (Diplotaxis tenuifolia (L.) DC.) em diferentes regiões do mundo, enquanto a rúcula cultivada (Eruca sativa Miller) é mencionada como sendo mais resistente ao míldio.
Nos últimos anos, o setor de produção da rúcula, especialmente a selvagem, registou uma forte expansão. A área plantada com rúcula tem aumentado continuamente e o uso de técnicas intensivas de produção, com ciclos de produção de 12 meses comuns nas principais áreas de produção, teve como consequência a intensificação dos problemas existentes nesta cultura e a introdução de novos parasitas.
Condições de frio e humidade favorecem o desenvolvimento da doença do míldio. Períodos curtos de humidade à superfície das folhas são suficientes para promover a infeção, que associados à fácil dispersão aérea dos esporos, no campo e nas estufas, e à elevada suscetibilidade das variedades contribuem para uma incidência e severidade elevadas da doença.
Os fungicidas são a principal medida de controlo do míldio, mas a sua aplicação na rúcula é problemática. Os intervalos reduzidos entre colheitas sucessivas e a necessidade dos tratamentos se realizarem de forma preventiva limitam a utilização de fitofármacos nesta cultura. Atualmente, poucos produtos estão disponíveis, especialmente no modo de produção biológica, existindo um risco elevado de desenvolvimento de patótipos mais virulentos resistentes aos fungicidas.
Taxonomia do agente causal
A definição das espécies é, por vezes, um problema taxonómico complexo, especialmente nos oomicetas biotróficos obrigatórios, cuja nutrição depende totalmente das células vivas do hospedeiro. No entanto, tem um impacto prático considerável nas medidas de proteção das plantas e no controlo biológico, sendo também importante em estudos comparativos que envolvem organismos modelo.
Os oomicetas são um vasto grupo de organismos que causam doenças foliares graves conhecidas como míldios, que originam enormes perdas na agricultura. Apesar de se assemelharem aos fungos no modo de crescimento e na nutrição (possuem micélios filamentosos e durante a infeção desenvolvem haustórios), os estudos moleculares e as características morfológicas distintas mostraram que os oomicetas são filogeneticamente distantes e taxonomicamente distintos dos fungos e foram classificados no reino Chromalveolata (filo: Heterokontophyta, classe: Oomycetes, ordem: Peronosporales, família: Peronosporaceae).
A taxonomia da família Peronosporaceae tem sofrido várias alterações e continua a ser debatida. O género Hyaloperonospora engloba mais de 100 espécies que infetam culturas economicamente importantes da família Brassicaceae. Foi separado do género Peronospora após as análises moleculares provarem a sua especificidade. Em 2018, Choi e colaboradores sugeriram a classificação do agente causal responsável pelo míldio na espécie de rúcula cultivada (Eruca sativa) por Hyaloperonospora erucae sp. nov., distinguindo-se da espécie que infeta a rúcula selvagem (Diplotaxis tenuifolia) designada por Hyaloperonospora sp.
Sintomas da doença do míldio
Os sintomas típicos da doença do míldio podem ser claramente observados em plantas de rúcula infetadas, especialmente durante os períodos de humidade elevada. Nos tecidos infetados formam-se conidióforos (estrutura de frutificação) com conídios esbranquiçados, densos, semelhantes a felpo, na página inferior das folhas. Quando as plantas são muito suscetíveis e as condições ambientais são favoráveis à infeção do míldio, ambas as páginas da folha são afetadas e o ataque estende-se aos caules e pecíolos. Ao longo do tempo, as folhas tornam-se amareladas e necróticas. As culturas severamente afetadas têm de ser abandonadas antes da colheita, pois o míldio destrói as folhas e causa perdas elevadas na produção. Normalmente, a ocorrência de esporulação diminui com o tempo, sendo a doença mais grave nas plantas jovens.
Em condições de humidade reduzida, as lesões de míldio podem secar e ficar brancas ou acastanhadas. Neste caso, o desenvolvimento da doença é difícil de identificar e os sinais da doença podem ser visíveis apenas quando o produto está embalado nas prateleiras. O patogénio desenvolve-se, mesmo a baixas temperaturas, prolongando-se o período de incubação, geralmente até 12 dias.
Ciclo de vida do agente causal
A infeção inicia-se com a deposição dos conídios na superfície das folhas, ocorrendo a infeção cerca de 6 horas após a sua dispersão. Os esporos germinam com a emissão do tubo germinativo e do apressório. As hifas de infeção penetram os tecidos e todo o mesofilo da folha é invadido pelo crescimento do micélio e dos haustórios. Os haustórios, globulosos a lobados, ocupam parcial ou quase completamente as células hospedeiras no interior dos tecidos para obtenção de nutrientes. Nesta fase, a infeção pode ser visível nas folhas com o aparecimento de necroses nas variedades mais resistentes.
Frequentemente durante a noite, quando a humidade do ar é mais elevada, os conidióforos emergem para o exterior através dos estomas, em fascículo, produzindo conídios nas extremidades. Na rúcula, os conidióforos de Hyaloperonospora sp. caracterizam-se por serem ramificados dicotomicamente 7-9 vezes e possuírem apenas um conídio elipsoidal a subgloboso na extremidade das bifurcações finais, com 20-28 µm de comprimento e 15-25 µm de largura.
Ciclo da doença do míldio
O míldio é uma doença policíclica e a infeção das folhas ocorre a partir dos conídios transportados pelo vento. A doença é mais grave nas estações amenas, geralmente no início da primavera ou no final do outono, e com humidade elevada. As condições mais favoráveis ao desenvolvimento da doença são temperaturas de 12-15°C e condições de humidade relativa de 90-98% (folhas molhadas). A fase assexuada pode ficar completa em 3-4 dias, com temperaturas diurnas de 20°C, e em condições de humidade elevada.
O oomiceta Hyaloperonospora sp. também pode sobreviver como oósporo nos resíduos vegetais no solo, sendo provavelmente a fonte de infeção primária das raízes. Durante a fase sexuada, formam-se oósporos, esféricos, de cor castanha-amarelada e parede mais espessa.
Especificidade do hospedeiro
O oomiceta Hyaloperonospora pode infetar várias espécies da família Brassicaceae (brássicas), mas os isolados são normalmente mais virulentos e estão restritos às espécies de origem. Apesar das diferentes espécies de Hyaloperonospora serem morfologicamente semelhantes, possuem uma considerável diversidade relativamente às distâncias genéticas e plantas hospedeiras.
É referido na bibliografia que os isolados de Hyaloperonospora sp. provenientes do hospedeiro de rúcula selvagem (D. tenuifolia) infetam apenas plântulas desta espécie. Não foram observadas infeções cruzadas entre os isolados colhidos em D. tenuifolia e outras espécies de brássica (como por exemplo, rúcula cultivada, brócolo, couve-flor, couve nabo e colza). As análises moleculares e a variação do hospedeiro mostraram uma delimitação estreita das espécies na família Peronosporaceae, sendo um meio confiável para discriminar espécies de míldio para as quais as diferenças morfológicas não são conhecidas. O padrão de especificidade dos isolados Hyaloperonospora relativamente aos diferentes hospedeiros da família Brassicaceae mostra que a variação do hospedeiro pode discriminar as diferentes espécies do patogénio e pode ser usada como marcador taxonómico no míldio das brássicas.
Medidas de controlo da doença do míldio
A rotação de culturas, a remoção de resíduos vegetais e o controlo de infestantes são medidas culturais adequadas na prevenção e controlo da doença de míldio. Outras práticas incluem o uso de sementes certificadas, a gestão da rega e um melhor arejamento das estufas. Qualquer medida que reduza o teor de humidade nas folhas deve ser adotada. Alguns fungicidas podem ser utilizados no tratamento do míldio na produção convencional de rúcula, mas no modo de produção biológico é mais difícil, uma vez que os fungicidas sintéticos não estão autorizados.
As práticas intensivas de produção e o cultivo de um número reduzido de cultivares da mesma espécie podem levar a alterações mais rápidas nas populações do parasita diminuindo a resistência dos hospedeiros. O uso de variedades de rúcula resistentes ao míldio é um meio económico e ambientalmente sustentável de controlo da doença na produção convencional e na biológica. Formas intermédias de resistência não impedem a instalação do míldio, mas atrasam a sua progressão e são mais eficazes quando combinadas com práticas de cultivo adequadas. A progressão mais lenta da doença, observada nas fontes de resistência intermédias, reduz a depreciação das folhas e pode manter o seu desenvolvimento abaixo do nível económico de ataque. As respostas de resistência intermédias são frequentemente mais duráveis e eficazes contra diferentes patótipos.